segunda-feira, 3 de maio de 2010

cartas a théo



hoje eu fiz um estudo do berço de criança com alguns toques de cor.
além disto, estou trabalhando num desenho igual aos prados que lhe enviei recentemente.
minhas mãos ficaram um pouco brancas demais para o meu gosto, mas o que é que eu posso fazer?
eu vou voltar ao campo, pouco me importa que me arrependa, desde que eu não me abstenha de trabalhar.

a arte é ciumenta, ela não quer que a doença lhe tenha precedencia. faço portanto, a seu gosto.

espero portanto que logo voce receba cartas razoáveis.

pessoas como eu não deveriam ficar doentes.

é preciso entender bem como eu considero a arte.
para chegar a verdade, é preciso trabalhar longamente e muito.
o que eu quero dizer e o que aspiro é tremendamente difícil, e no entanto não acredito estar aspirando
alto demais.

quero fazer desenhos que impressionem certas pessoas. "sorrow" é um pequeno começo, é possível que uma pequena
paisagem como a "laan van meerdevoort", "as campinas de rijswijk", o "secadouro de pescado" também sejam um pequeno
começo.
pelo menos eles contem algo que vem diretamente do meu coração.

seja na figura, seja na paisagem, eu gostaria de exprimir não algo sentimentalmente melancólico, mas uma profunda dor.

em suma, quero chegar ao ponto em que digam de minha obra: este homem sente profundamente, e este homem sente delicadamente. apesar da minha suposta grosseria, voce me entende? ou precisamente por causa dela.

o que é que eu sou aos olhos da maioria - uma nulidade ou um homem excentrico ou desagradável -, alguém que não tem uma situação na sociedade ou que não a terá; enfim, pouco menos que nada.

bom, suponha que seja exatamente assim, então eu gostaria de mostrar por minha obra o que existe no coração de tal excentrico, de tal nulidade.

esta é minha ambição, que está menos fundada no rancor que no amor "apesar de tudo", mais fundada num
sentimento de serenidade que na paixão.

ainda que frequentemente eu esteja na miséria, há contudo em mim uma harmonia e uma música calma e pura.

na mais pobre casinha, no mais sórdido cantinho, vejo quadros e desenhos.
e meu espírito vai nesta direção por um impulso irresistível.

cada vez mais prescindo de outras coisas, e quando mais prescindo delas mais rápido se torna o meu olhar para ver
o lado pictórico.

a arte pede um trabalho obstinado, um trabalho apesar de tudo e uma observação contínua.

por obstinado eu quero dizer um trabalho constante, mas igualmente a fidelidade a sua concepção, apesar do que
dizem uns ou outros.

eu espero realmente, irmão, que dentro de alguns anos, e até mesmo já agora, voce veja pouco a pouco coisas
da minha mão que te compensarão um pouco pelos sacrifícios que voce fez.


vincent van gogh - cartas a théo

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